UFBA
Universidade Federal da Bahia
Especialização em Jornalismo Científico e Tecnológico
Disciplina: Oficina de Experimentação e Inovação em Jornalismo Científico
Profª : Simone Pallone
Figueiredo
Aluna: Liliana Sampaio de
Almeida Peixinho
Data - 14.10.2011
Marketing verde, realidade insustentável e papel da Ciência
De que maneira a Comunicação pode
contribuir, ou não, com a sustentabilidade? A informação veiculada e acessada,
filtrada, pode ajudar na mudança de comportamento? Como isso pode acontecer, de
fato? Se formos verificar o volume de investimentos que governo e empresas
realizam, para propagar programas e produtos, podemos supor que as contrapartidas em visibilidade,
credibilidade e por conseqüência, consumo, apresentam retornos que satisfazem
bem os interesses de uma das partes da cadeia, os investidores. Mas, e o
consumidor, esta satisfeito? E a matriz de produção, tem sido preservada,
cuidada?
Se a Comunicação como grande área do jornalismo,
publicidade, relações públicas, assessoria de imprensa, redes sociais e outras,
que aparecem no cenário do avanço
de novas tecnologias, tem peso relevante nas demandas diversas do cotidiano
qual o modelo de Ciência que queremos, precisamos para a pautas permanentes
como a defesa e promoção de
direitos, manejo sustentável dos recursos naturais, manejo de resíduos,
incentivo, apoio e promoção ao uso de
energias renováveis, limpas, redução do risco de desastres, preparação e
adaptação às mudanças climáticas.
É objetivo desse artigo despertar
a atenção sobre forma, velocidade, conteúdos e resultados de comportamentos
construídos pela mídia, através da propagação massiva de conteúdos, sob o olhar
da sustentabilidade. Essa pesquisa é reforçada por depoimentos de especialistas
e jornalistas sobre o cotidiano brasileiro, mostrando quão distante anda o
discurso, generalizado, da prática. Onde a garantia da Vida se revela frágil
quando observamos o caos em setores importantes como saúde, educação,
transportes, moradia, emprego. Problemas sentidos de perto por quem mais o
governo diz estar dando atenção: as classes média e pobre.
Lobby invisível
Quando analisamos dados como o do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), ao revelar que os dois por cento
mais ricos dos adultos do mundo possuem mais do que a metade da riqueza
familiar global, enquanto que os 50 por cento mais pobres dos adultos possuem
apenas um por cento e constatamos que os ricos foram os que mais se
beneficiaram com o crescimento econômico global vemos que em termos gerais, as pessoas
pobres não conseguiram se incluir, ao contrário pioraram sua qualidade de vida
já que grande parte dos danos ambientais causados pelos seres humanos é causada
para satisfazer o consumo das pessoas ricas. E esse modelo de consumo, de
distribuição e acesso ao que está sendo produzindo no mundo, no Brasil, que
está em questionamento. São esses recortes sociais de insatisfação que nos
mostra uma relação indireta com o meio ambiente e, assim, raramente vêem os
danos que estão causando. Que mudanças de comportamento vemos nesse modelo de
desenvolvimento? Vejamos: a classe rica, a que detém todos os poderes, de
informação, de recursos, de acesso, de articulação, de mobilização, sabe o
valor, por exemplo, dos produtos orgânicos para a saúde. Quem produz orgânico
sem apoio nenhum são os pequenos agricultores familiares, que nem acesso a
recursos de investimentos via bancos ou agencias de desenvolvimento, conseguem
garantir para suas micros safras. Esse povo viaja léguas para ir até as
feirinhas da cidade mais próxima para vender, aliás, entregar, quase de graça,
produtos que consumiram suor e sangue, meses a fio, sem água, sem energia, a
preços que não cobrem as mínimas necessidades de uma cesta básica. Eles vendem,
por exemplo, tapioca e beiju para comprar bolachas e ai qualquer lógica de
autosustentação se esvai porque a cadeia produtiva é quebrada quando exploramos
a mão de obra que dura nas roças
nordestinas de mandioca. Portanto, a classe alta provavelmente
continuará com o seu alto consumo e as classes baixas trabalhando para alimentá-los
com o que há de melhor, na segurança alimentar, no artesanato, nos paradisíacos
roteiros turísticos, onde a comunidade cuida e o turista, suja, iludidos com a
propagada da geração de emprego e renda, bordão mais utilizado pelo lobby
invisível entre governo e empresas.
Vida frágil
Entre especialistas em
comunicação circula informações sobre a velocidade da propagação do conceito
sustentabilidade e a necessidade de entender melhor o sentido profundo da
expressão, usada massivamente sem a devida interseção harmônica nas escalas de
produção. Mais do que significado, uma frase vale por seu efeito estético,
moderno, linkado com uma realidade que insiste resistir aos desafios de
mudanças de comportamento para a sustentação de sistemas fragilizados pela
ganância, lucro fácil e rápido, desperdício de tempo e recursos, em nome de uma
Vida frágil e ignorada. Mesmo depois que a Ciência propagou ao mundo os
problemas com o clima, e esses dados vem sendo divulgados desde os anos
70, a preocupação com as
conseqüências geradas por essas bruscas transformações na Vida, não vemos
ainda, mudanças de comportamento para essas adaptações discutidas entre os
cientistas e pela mídia como uma questão de importância global, empresários,
bancos, instituições de ensino, agricultores comunitários, governos em âmbito
nacional e internacional parecem estar linkados, mas de forma desconexa,
paradoxal, onde discurso e prática estão bem distantes da realidade.
Apesar do apelo ideológico
difundido massivamente, com reforço diário do discurso da sustentabilidade, o
conceito parece estar distante de práticas, ações, gestões, comportamentos, que
levem equilíbrio, harmonia, entre o que, como, e quanto se produz, na cadeia
das atividades econômicas. Nesse contexto, como a Comunicação, o jornalismo, a
publicidade, as redes sociais, as listas de discussões, os grupos virtuais,
blogs, sites, entre outros, podem contribuir com informações,
transversalizadas, contextualizadas historicosocialmente, para a construção de
uma nova mentalidade, um novo jeito de pensar, fazer, se comportar, agir,
mudar, no que tem se mostrado, demandado, como necessário e urgente?
Discurso
desconectado
De um lado vemos que os avanços
da Ciência no prolongamento da Vida humana estão desconectados com a mesma
fragilidade que essa vida se mostra em ambientes criminosamente impactados por
essa mesma ação humana. Esse paradoxo entre as descobertas científicas e a
preservação da Vida, num planeta que ainda estamos a conhecer, parece
desconsiderar o tempo como o grande protagonista da História, que é determinada
por ele. O homem pode viver 100, 110 ou mais anos. Ao mesmo tempo e no mesmo
lugar, crianças continuam nascendo sem prevenção à saúde para garantir o início
da vida. Faltam direitos simples, mínimos, como o de poder dar o primeiro
suspiro numa maternidade com as mínimas condições profiláticas para isso.
Estamos bombardeados de
propagandas sobre produtos que causam obesidade, problemas cardíacos, diabetes,
câncer e um sem número de doenças, diretas ou indiretamente relacionadas ao que
consumimos. E não temos proteção para atendimentos médico, psicológico ou
jurídico, necessários, decorrentes de comportamento construídos por uma mídia
que parece focar apenas na sedução para a compra, desconectada com os
resultados gerados pelo comportamento que a mensagem produziu no espectador,
leitor, internauta, ouvinte, dentro ou fora de casa.
A televisão, por exemplo, entrou
no mercado, nas lares, com força e
poder para ditar comportamentos desproporcionais ao poder aquisitivo dessas
famílias que se sentam, absortas, em frente a telinha. Vemos agora esse poder
sendo dividido, compartilhado, distribuído para as redes sociais, onde esse
mesmo poder da mídia veio ainda com mais força, com velocidade ainda maior,
para transpor o tempo, agora imediato, real. A mesma competência que esteia o discurso da mídia verde vazia
deve ser buscada com a inteligência exigida pela urgência que estar a querer a
Vida, harmoniosa e sem pressa, como merecemos ser.
Essa mídia veloz em estimular o
consumo, pelo consumo, vem empurrando a Vida para uma correria estressante onde
por exemplo, comprar carro para ficar preso em engarrafamentos, nas rodovias e
centros urbanos, parece ser mais importante do que se alimentar bem, como
cultura de prevenção e saúde. Acordar cedo para trabalhar fora de casa, para
pagar uma babá, que também deixou o filho em casa para ir trabalhar, alimenta cadeias
de vida insustentáveis, famílias desestruturadas, ambientes de risco tosco. Se
formos analisar o ciclo perverso sobre o trabalho das mães babás dos filhos dos
outros, por exemplo, o custo social desse comportamento pode ser exemplo de
diversos outros ciclos da vida em via crucis.
Jornalismo e
investigação
E dever da Comunicação estar
atenta as condições sociais para garantia da Vida? Se for e sabemos que é,
então não podemos fazer de conta que não vemos empresas propagando-se
sustentável, sem ser. Ao usar trabalho escravo, impactar o ambiente e não ter
compromisso em cuidar, preservar, garantir condições para futuras gerações, não
é sustentável. E, como disse o colega Andre Trigueiro, nós jornalistas, temos
obrigação em dizer e mostrar porque projetos ditos sustentáveis, não o são, de
fato. Claro que isso dá trabalho, precisa de investigação, coragem, e uma dose
de ética que o mercado publicitário, e mesmo jornalístico, não parece estar
interessado. Ter jornalistas que façam essa diferença nas redações e agora, em
blogs, mídias e redes sociais, parece ser o caminho para aqueles que querem e
acreditam no fazer como compromisso de mudanças.
Apesar da visibilidade midiática
e da evolução do conceito: desenvolvimento sustentável, a realidade cotidiana
demonstra, nos faz ver, perceber, sentir, registrar, que ações, de fato,
sustentáveis, são difíceis de comprovar, diante de realidades diárias sobre a
natureza humana e ambiental. Essas faces do ambiente estão degradadas,
violentadas, exploradas, impactadas. A sustentabilidade tem sido ênfase dos
discursos, peças publicitárias, propagandas, falas de governo, empresas e ONGs.
De forma competente e criativa percebemos o apoderamento do termo para surfar
na onda do marketing verde vazio.
Quando alguém, um governante, um
empresário, um representante de um instituto, ONGs, associação, diz que faz um
programa dessa ou daquela maneira e não o faz, de fato, como anuncia, qual deve ser o comportamento da
mídia?. O corporativismo, com certeza, é outro elemento dificultador. O medo de
perder emprego, contrariar interesses, mais forte ainda. O compromisso com os
efeitos da informação não parece ser prioridade em agendas controladas pela
política financeira. E, mesmo nas bancas acadêmicas o tempo e sempre pouco para
aprofundar o debate.
A Carta da Terra diz que “devemos
somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito
pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa
cultura de paz. E, que para chegar a esse propósito, é imperativo que nós, os
povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a
grande comunidade da vida, e com as futuras gerações”. Nesse contexto, é
imperativo reforçarmos o saber como instrumento de construção, impulsão, para
qualquer modelo, jeito de viver, que reforce a condição humana como frágil,
limitada, diante do poder da Natureza, cujas facetas, climáticas, por exemplo,
a própria Ciência ainda ignora, desconhece?
Ciência e
Sustentação
Qual o modelo de gestão da Ciência
para problemas revelados pela própria Ciência sobre a necessidade humana de
adaptar-se? Conforme a própria Ciência, para se realizar ações de adaptação é
necessário financiamento e transferência de tecnologia para ajudar as
comunidades pobres a se adaptarem aos impactos inevitáveis da mudança
climática. No âmbito local, isto pode consistir em
ajudar as pessoas com poder na comunidade, tais como funcionários ou
agências locais, a se conscientizarem sobre o que está acontecendo e
incentivá-las a agir, de maneira que as comunidades
possam se adaptar às mudanças climáticas; muitas chuvas, secas prolongadas,
incêndios florestais, entre outras, para se desenvolver de maneira mais
sustentável. Mas isso não ocorre. As vitimas nordestinas das ultimas enchetes estão
abandonadas, sem casas, levadas pelas furiosas enxurradas. No âmbito nacional,
o trabalho de defesa e promoção de direitos poderia consistir em pedir aos
governos para que obtenham acesso ao financiamento e à transferência de
tecnologia necessária ou em procurar apoiar ou influenciar os Planos de Ação
Nacionais de Adaptação (NAPAs). Isso até é acionado, mas o recurso não chega na
ponta da cadeia de produção. Fica no meio do caminho ou na ponta inicial.
Outra ação seria a
mitigadora, ou seja, feito o estrado, vamos agora mitigar, reduzir
as emissões de gases de efeito estufa para um nível global “seguro”.
Os países ricos são os que devem fazer a maior parte das reduções, enquanto que
os países pobres devem obter acesso a
financiamento e tecnologia para se desenvolverem de maneira sustentável,
como, por exemplo, recebendo incentivos para proteger suas florestas. Há quem
defenda, por exemplo, que na comunidade, em âmbito local, o trabalho de
defesa e promoção de direitos poderia consistir em informar as autoridades
locais sobre como colaborar com os processos
nacionais e educá-las sobre possíveis opções de mitigação, tais
como a utilização de energia renovável. Em âmbito nacional, o trabalho de
defesa e promoção de direitos poderia consistir
em pedir aos governos acesso ao financiamento e à tecnologia necessária
para ajudar as comunidades a se desenvolverem de forma mais sustentável. E o
jornalismo investigativo, comprometido, ativismo jornalístico ambiental vai e
campo e observa, constata que isso não acontece, de fato, acontece na
propaganda, nos relatórios, nas falas, nos discursos, seminários, congressos,
relatórios e tudo o que acaba fortalecendo a insustentação da vida em ambientes
pobres, carentes de atenção e seriedade com os recursos captados e não alocados.
E, como a vida continua pautada
no consumo, seja de idéias, fazeres e experiências, necessário e sensato,
parece ser, adotar políticas, práticas, comportamentos, que alimentem a
construção de cadeias de suprimentos onde, fornecedores, distribuidores,
varejistas e consumidor final, estejam em harmonia, em sintonia, com as
adaptações que o planeta, o ambiente, rural ou urbano, estar a nos exigir, para
a garantia da Vida, em suas diversas formas.
Liliana Peixinho* - Jornalista,
ativista, Fundadora dos Movimentos Livres AMA – Amigos do Meio Ambiente e RAMA
– Rede de Articulação e Mobilização Ambiental. Especializada em Mídia e RSA.
MBA em Turismo e Hotelaria. Posgraduanda em Jornalismo Científico e Tecnológico
- UFBA Objeto de pesquisa para o Projeto de mestrado “ Mídia, transversalidade
na informação e sustentabilidade” . lilianapeixinho@gmail.com
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